Vou começar pelo fim: quando o desfile acabou, as pessoas não apenas aplaudiram, mas também bateram os pés fortemente no chão, fazendo o piso tremer.
Essa comoção aconteceu ao final da apresentação da Maison Margiela na semana de Alta Costura em Paris. O que vimos (eu, humildemente, do meu celular pelo youtube) foi uma verdadeira fashion xtravaganza como não se via desde que… o próprio John Galliano foi demitido da Dior, em 2011. Naquela época, ele foi devidamente cancelado e exilado do mundo da moda e retornou alguns anos depois - sem muito estardalhaço - quando foi contratado para ser diretor criativo da Maison Margiela, com aval do homem em si, Martin Margiela.
O motivo de tanto frisson
é porque ele encenou um verdadeiro espetáculo, um conto fantástico inspirado pelo artista Brassaï e suas fotografias de Paris à noite na década de 1930.
Espartilhos extremos e estofamento nos quadris transformavam os corpos. O gestual dos modelos enfatizava ainda mais essas silhuetas estranhas, o que me lembrou do desfile Body Meets Dress, Dress Meets Body, da Comme des Garçons, que também explorava outras possibilidades de corpo. Os modelos andavam projetando os quadris, torcendo a cintura e fazendo gestos com as mãos, encarando o público e contribuindo ativamente para o clima misterioso e hipnotizante do desfile. Tim Burton, Laranja Mecânica, Dorothy e a estética de filmes de suspense antigos vinham à mente enquanto assistia ao show.
Mas esta não foi uma coleção forte apenas em imagem. Foi também um trabalho imersivo que manteve o designer e seu time dedicados ao ateliê, inventando novos materiais e técnicas de costura e construção de roupa, resultando em mais de 15 novas formas de trabalhar uma peça, segundo informações oficiais do show.
As coleções de Galliano para a Margiela sempre se destacaram pela criatividade, inovação e impacto estético.
Mas devido à natureza icônica da marca, eu sentia uma certa cautela em relação ao respeito aos códigos da grife, evitando uma transformação excessiva em algo que se assemelhasse mais ao estilo de John do que ao de Martin. Mas essa linha agora parece ter sido ultrapassada.
Engraçado que tem esse movimento fortíssimo de quiet luxury ainda rolando
que, convenhamos, favorece muito o mercado porque é uma zona de conforto, um ambiente seguro onde não é necessário ser super criativo e autêntico para se encaixar, seja como marca ou como consumidor.
Mas quando surge algo que faz o chão tremer, precisamos questionar se o que desejamos ver em uma passarela é uma narrativa previsível criada pelo mercado ou se concordamos de uma vez por todas que a passarela é um lugar especial, uma plataforma por onde a moda pode despertar emoções e sensações.
Ainda que este seja um desfile de alta costura, voltado para o 0.001% da população mundial, enquanto laboratório criativo, ele é uma resposta ao tédio, a mesmice, a falta de inventividade e sonho. Uma resposta ao quiet luxury e tudo o que ele representa, ao conservadorismo e ao play safe que ocupou o mercado e tem ajudado a tornar a moda em si pouco inspiradora, para não dizer obsoleta.
+ Veja o desfile completo aqui
Para encerrar
Now I Don't Need Your Love, de Lucky Love, foi a música de abertura do desfile