(Esta é uma edição extra com contos ou crônicas autorais que envio de vez em quando.
Você ainda vai receber a newsletter Hit or Miss, na quinta-feira)
Pássaros mágicos, pedras no coração e paraísos escondidos
Me levanto e faço o café. A cozinha aberta, cercada por árvores de todos os tamanhos e tons de verde, transforma esse momento em uma experiência exuberante. É meu momento preferido do dia quando estou aqui.
Enquanto a água ferve, a fumaça da chaleira ganha um leve dourado ao cruzar o raio de sol que atravessa a casa logo cedo.
Leva pouco tempo para que as árvores comecem a mexer, e não pelo vento. Um galho balança no alto. Eu olho e não vejo nada. Uma folha grande de outra árvore também se movimenta. E quando me dou conta, a moldura natural que eu observo ganha vida. Se eu olho rápido, consigo pegar no pulo uma sairinha sete cores ou um surucuá com seu manto azul marinho e vermelho voarem de copa em copa, criando uma coreografia com folhas e galhos. Um Tiê Sangue cruza rasgando em vermelho na minha frente e brinco de acha-lo por entre as árvores. É fácil pela cor, mas o bichinho é ligeiro e nunca fica muito tempo no mesmo lugar.
Tudo está sempre se mexendo, sempre tem alguma coisa acontecendo. E os momentos de contemplação acompanham o ritmo da natureza. Eu estou parada, sentada, tomando meu café na xícara amarela que sempre uso nesta casa. Contemplo e me encanto com a graciosidade e leveza com as quais os passarinhos perambulam pelas copas das árvores. Meu corpo está parado - o único gesto que faço é o de levar o café à boca - mas por dentro, ele está começando a responder ao silêncio exterior. Eu gostaria de conseguir responder ao silêncio com mais silêncio. E deixar essa quietude invadir cada célula, cada veia, cada gota de sangue, cada pedacinho do meu cérebro. E então eu começaria a ver uma luz azul entre os meus olhos e voltasse dessa meditação com aquela cara viva e desperta.
Não. Eu começo agradecendo. Que dádiva ter esse lugar. Que natureza espetacular. Que incrível poder acordar com esses pássaros, com esse verde. Com o barulho do rio cristalino que corre logo ali. Às vezes as saíras gorduchas de cores vibrantes entram na cozinha, ficam em cima da mureta de pedra, da mesa de madeira, da alça da chaleira. E eu acho que isso significa sorte.
Mas sorrateiramente, paralela à sensação de gratidão e pensamento positivo para o futuro, o corpo se contrai. A barriga esfria, o coração fecha, o ar parece rarefeito e fica difícil de respirar. Os pensamentos confusos, as inseguranças, o medo do futuro e as sombras entram com tudo. Invadem. Chutam a porta, derrubam o muro. O café esfria, as árvores já não balançam e não há mais passarinhos voando entre elas.
Saio pra andar. Pé na terra, olho na natureza, busco o raio de sol entrando pela mata. Foco na respiração. Me distraio com a beleza de uma borboleta azul. O cheiro do eucalipto me traz uma sensação de bem estar. Respiro. Puxo o ar com o nariz, mas ele não vem, aquela pedra tá de novo no caminho, ocupando o lugar do meu ar. Essa testemunha silenciosa do meu mundo interno. Oi Pedra - bem, ela é uma velha conhecida. Já se sente minha íntima porque chega quando quer, não me avisa, se instala bonitona entre os peitos e fica lá de boa. Eu que lute. Abre aí uma frestinha pra eu conseguir dar UMA respiração profunda. Uminha só já ajuda. Mas pedra é pedra né? Não posso esperar que ela entenda e ainda me responda: Oi Camila, já saio, um minutinho.
É muito difícil mover uma pedra de lugar. Só o tempo consegue. Mas aceitar o mistério e o milagre que é a vida ajuda a gente a caminhar por ela. Essa vida que às vezes é montanha russa, às vezes trem fantasma, noutras deserto. Mas muitas vezes é paraíso escondido. Sol que esquenta, mar que refresca, rede que embala, risadas que elevam, carinhos que aliviam.
Paraíso escondido.
Mistérios. Milagres. Mágicas. Sincronias. Fui pensando nisso ao caminhar. Inspira. Expira. E aos poucos vou conseguindo mudar o filtro. Agradecendo, reconhecendo a enorme sorte que me acompanha, revendo e reverenciando meu passado para receber o futuro com coragem (agir com coração).
Inspira, expira. RESPIRA.
Voltei diferente do que fui. Acalmei o coração, sosseguei a mente. Me entendi com a pedra e descansei na rede para ver o horizonte deitar no chão, como na música da Marisa Monte. 🍀
Que lindeza de texto 💫 fiquei tocada aqui
Lindo texto, entendi bem. Qto à pedra, ajeita ela aí, uma outra coisa maior ou menor pode aparecer e vc já tá calejada